Carf, as novidades da desmutualização e outras questões tributárias
23 de janeiro de 201522 de janeiro de 2015, 8h00
Por Mary Elbe Gomes Queiroz e Antonio Elmo Queiroz
A reorganização societária das Bolsas de Valores de São Paulo (Bovespa e BM&F), que passaram a operar não mais como associações civis isentas mas via sociedades anônimas, gerou um contencioso tributário intitulado “desmutualização”, que, ante o impacto das autuações lavradas pela Receita Federal, provocou até a necessidade de aperfeiçoamento das condições de um parcelamento especial, como acaba de ser formatado pelo artigo 145 da Lei 13.097/15.
Como outra novidade, a causa recebeu uma importante decisão no Carf, com cancelamento de autuação, de IRPJ e CSLL, que apontava que uma corretora não teria oferecido à tributação o ganho de capital na alienação da participação na associação civil, bem como omitido o ganho não operacional auferido no recebimento da participação no patrimônio da entidade isenta; decisão assim ementada:
Acórdão 1103-001.047 (publicado em 08.01.2015)
BOLSAS DE VALORES CONSTITUÍDAS SOB A FORMA DE ASSOCIAÇÕES CIVIS. DESMUTUALIZAÇÃO. POSSIBILIDADE DE CISÃO.
Os acréscimos de valor dos títulos patrimoniais decorrentes de valorização do patrimônio social das bolsas de valores constituídas sob a forma de associações civis sem fins lucrativos não constituem receita nem ganho de capital das sociedades corretoras associadas, autorizando-se a sua exclusão na apuração do lucro real desde que não sejam distribuídos e formem reserva para oportuna e compulsória incorporação ao capital.
As associações civis são passíveis de cisão, não se limitando tal instituto apenas às pessoas jurídicas reguladas especificamente pela Lei Societária (Lei 6.404/1976).
A desmutualização das bolsas de valores processo de reorganização da sua estrutura societária, alterando-as de associações civis sem fins lucrativos para sociedades anônimas não resulta em receita tributável sujeita à incidência de IRPJ e CSLL nas corretoras decorrente da valorização dos títulos patrimoniais (avaliados pelo valor contábil atualizado pelo patrimônio líquido das bolsas) permutados por ações. Descabida a alegação do Fisco de devolução de patrimônio das bolsas às corretoras associadas.
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Omissão sepultada
Julgando causa de omissão de rendimentos em conta bancária, Turma do Carf decidiu que já não pode ser mais caracterizada a omissão se o titular da conta faleceu, pois a intimação para comprovar a origem dos recursos é personalíssima, não podendo ser cumprida por mais ninguém; fato que esvazia, no caso concreto, a aplicação da norma; assim ementado e fundamentado:
Acórdão 2202-002.913 (publicado em 14.01.2015)
OMISSÃO DE RENDIMENTOS – DEPÓSITOS BANCÁRIOS – CONTA BANCÁRIA MOVIMENTADA PELO “DE CUJUS” – LANÇAMENTO TRIBUTÁRIO REALIZADO CONTRA O ESPÓLIO – OBRIGAÇÃO PERSONALÍSSIMA
A responsabilidade pela comprovação da origem dos recursos, para efeito do disposto no artigo 42 da Lei n° 9.430, de 1996, por ser uma obrigação personalíssima, deve ser imputada, exclusivamente, ao titular de direito ou de fato da conta-corrente.
Portanto, não há como imputar ao espólio a obrigação de comprovar depósitos bancários feitos à época em que o contribuinte titular de fato da conta-corrente era vivo. Nessas condições, não subsiste a ação fiscal levada a efeito, desde o seu início, contra o espólio e a inventariante.
Voto (…)
No caso de procedimento fiscal instaurado após a morte do contribuinte, tendente a averiguar a regularidade dos depósitos efetuados em contas de titularidade do de cujus, há que se fazer uma divisão temporal quanto a responsabilidade pela comprovação da origem destes depósitos: depósitos efetuados antes e depois da abertura da sucessão.
Visto que o titular da conta, antes da abertura da sucessão, era o de cujus, é a ele a quem se deve imputar o ônus de comprovar a origem dos depósitos efetuados até sua morte, não se podendo transferir tal responsabilidade ao espólio. Assim, sendo a intimação neste caso materialmente impossível, a presunção vista no art. 42 da Lei nº 9.430, de 1996, não se aperfeiçoa em relação aos depósitos efetuados à época em que o contribuinte era vivo.
No caso concreto, não foram atendidos os requisitos que asseguram a legalidade do lançamento no período que antecede a abertura da sucessão. Não é juridicamente possível exigir-se de qualquer pessoa a explicação sobre a movimentação financeira em conta bancária em que não é titular. O fato de uma conta ter sido movimentada por seu esposo ou pai, não a credencia a poder prestar os referidos esclarecimentos.
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Compensação em Refis
O Carf, apreciando desdobramentos tributários do Refis da Crise (Lei 11.941/09), já decidiu que (a) débitos parcelados, que se refiram a períodos anteriores a cinco anos, não podem ser reconhecidos para reduzir o resultado e (b) que a diminuição do passivo com o uso de prejuízo é tributável (Acórdão 1402-001.478); também (c) que a redução dos juros de mora para pagamento à vista não deve compor o resultado (Acórdão 1402-001.495).
Agora, apreciando causa de compensação, na qual ficou controvertida parte do direito creditório, pois recolhido com juros de mora a menor, Turma do Carf reconhece a possibilidade, já que conforme benefício do Refis da Crise; assim ementado:
Acórdão 3803-006.831 (publicado em 08.01.2015)
JUROS DE MORA. REDUÇÃO AUTORIZADA POR LEI. DIREITO CREDITÓRIO COMPROVADO.
A Lei nº 11.941, de 2009, autoriza a redução de 45% dos juros de mora no pagamento de débitos vencidos até 30 de novembro de 2008, em razão do quê se deve reconhecer o direito creditório que havia sido indeferido indevidamente com fundamento no recolhimento a menor do referido acréscimo legal.
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Segurança jurídica
Enfrentando uma autuação por classificação incorreta em importação, Turma do Carf mantém a desoneração do crédito tributário, inadmitindo apreciação contraditória do fisco; o que, em processo civil, se manifestaria na proibição do venire contra factum proprium; assim ementado:
Acórdão 3403-003.481 (publicado em 05.01.2015)
CLASSIFICAÇÃO FISCAL. IMPORTAÇÃO MODALIDADE ANTECIPADA.
Por imperativo de segurança jurídica, se a Administração autoriza que seja adiantada a importação mediante determinada classificação, baseada na mesma descrição que foi posteriormente utilizada nas declarações de importação, apenas a existência de divergência entre a descrição informada e a descrição concreta do equipamento poderia autorizar a mudança de entendimento da classificação fiscal.
Se não se demonstra divergência entre a descrição concreta do equipamento e a descrição constante na DI e no processo que autorizou a importação antecipada, deve ser mantida a classificação fiscal.
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Decisões variadas
a) No Acórdão 9303-003.048 (publicado em 19.12.2014), a CSRF do Carf rejeita que vendas para a ZFM usufruam, sempre, de benefícios para exportação; aduzindo que o tratamento do DL 288/67, que equiparou a exportações as vendas para a ZFM, só tinha efeito para a tributação vigente em 1967, não para as previsões posteriores; e que o que vigorou a partir de 2004 foi uma alíquota zero para a COFINS; assim ementado: “as vendas para a Zona Franca de Manaus, deixaram de ser tributadas somente após a edição da MP n° 202, de 23 de julho de 2004, que reduziu a zero a alíquota aplicável sobre essas receitas”.
b) Duas decisões adotam posições diametralmente opostas em relação à legalidade:
– No Acórdão 1301-001.558 (publicado em 12.01.2015), Turma do Carf não vê como obrigatória a indicação da base legal de alíquota utilizada na tributação; assim ementado: “não consta como exigência formal do auto de infração (art. 10 do Dec. 70.235/72) a indicação do dispositivo legal que veicula a alíquota, bastando à determinação da exigência (inciso V), requisito formal que é atendido no “DEMONSTRATIVO DE APURAÇÃO” do auto de infração, no qual vem à base de cálculo e a indicação expressa do percentual da alíquota aplicada. A não indicação do dispositivo legal que veicula a alíquota não induz cerceamento de defesa”.
– Já em outro sentido, no Acórdão 2403-002.879 (publicado em 12.01.2015) Turma do Carf anula processo e exonera o crédito, pois no Auto de Infração só constavam os números dos diplomas normativos invocados, mas sem os específicos artigos de lei utilizados; assim ementado: “apresentação de fundamentação legal insuficiente caracteriza vício material”.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-jan-22/jurisprudencia-fiscal-carf-novidades-desmutualizacao-outras-questoes-tributarias