DEDUTIBILIDADE DE DESPESAS FINANCEIRAS INCORRIDAS PARA PAGAMENTO DE DIVIDENDOS, EM MONTANTE SUPERIOR AO LIMITE LEGAL: INTERESSANTE PRECEDENTE DO CARF
14 de janeiro de 2015Recentemente foi disponibilizado o acórdão n. 1301-001514, de 7.5.2014, proferido pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF, no qual foram feitas importantes observações sobre dedutibilidade de despesas, para fins de apuração do lucro real, base de cálculo do imposto de renda da pessoa jurídica.
No caso, a Fiscalização glosou despesas financeiras (juros) decorrentes de debêntures emitidas pela empresa autuada, mediante as quais ela havia captado recursos e os havia utilizado para efetuar o pagamento de dividendos aos acionistas. Como o pagamento dos dividendos se deu em montante superior ao mínimo obrigatório, a Fiscalização glosou a dedutibilidade das despesas financeiras na proporcionalidade aos valores distribuídos aos acionistas acima do limite mínimo dos dividendos, por considerar essas despesas desnecessárias, decorrentes de mera liberalidade. Importa ressaltar que a Fiscalização não fez qualquer ponderação sobre a validade da operação de emissão de debêntures, tampouco sobre a efetividade das despesas.
A defesa da empresa autuada alegou que a autuação nada mais era que ingerência da fiscalização na sua administração. Afirmou que não houve nenhum ato que fora desconsiderado pela fiscalização, de forma que os atos praticados eram completamente legais e, consequentemente, aptos a gerar os decorrentes efeitos tributários. Alegou, ainda, que o fato de os dividendos pagos serem maiores ao mínimo obrigatório não representa nenhuma irregularidade, até porque o pagamento foi devidamente deliberado e aprovado em Assembleia Geral Ordinária, o que afastava, inclusive, o caráter de liberalidade dos dividendos. Também afirmou que os dividendos representam direito essencial dos acionistas, e que, apesar de sofrerem restrições de ordem prática e legal, essas restrições não impedem que se pague dividendo em montante superior ao mínimo legal.
Após o julgamento de 1ª instância administrativa ter julgado a impugnação improcedente, mantendo a exigência fiscal, o contribuinte interpôs recurso voluntário, o qual foi levado a julgamento pela 1ª Turma Ordinária da 3ª Câmara da 1ª Seção do CARF. A Turma, analisou o caso e, em decisão colhida por unanimidade, deu provimento ao recurso voluntário do contribuinte para cancelar a glosa com as despesas financeiras com as debêntures.
No entendimento da Turma, o simples fato de os dividendos distribuídos serem superiores ao mínimo obrigatório não autorizaria a glosa das despesas quando comprovada a efetividade das despesas com as debêntures, a regularidade da remuneração de acordo com o padrão de mercado, e o próprio pagamento dos dividendos, o qual, nas palavras do acórdão, é “direito inarredável dos acionistas, e indiscutivelmente necessário à manutenção da fonte produtiva dela contribuinte.”
O voto condutor do acórdão destacou que a captação foi efetiva de dinheiro por meio das debêntures, o que restou incontroverso pela própria inexistência de qualquer imputação de conduta ilícita pela fiscalização, utilizada para pagamento de dividendos, independentemente de serem superiores ao mínimo legal, é ato plenamente condizente com o objetivo da companhia, qual seja, a geração de riqueza para distribuição aos acionistas, os quais investiram capital nessa empresa inicialmente visando justamente esse retorno futuro. Abaixo, veja-se importante trecho do acórdão:
“Quer me parecer que a efetividade das despesas com a emissão das debêntures, bem como sua regularidade de remuneração de acordo com o padrões de mercado, são pontos pacíficos, eis que nem mesmo a fiscalização os questionou. Também me parece que a decisão recorrida, pelo voto divergente e prevalente, extrapolou os limites da imputação ao considerar apenas a destinação, geral, das despesas para os fins de aferir sua dedutibilidade, de sorte que apenas abstraio a preliminar de nulidade invocada pela contribuinte porque entendo que, no mérito, a questão se resolve favoravelmente a ela contribuinte.
É preciso ter em mente, considerado o cenário fático posto na espécie, que a contribuinte emitiu as tais debentures tendo em conta a necessidade de efetivar o pagamento dos dividendos aos seus acionistas e, para tanto, serviu-se das regras e taxas praticadas no mercado, resultando daí despesas financeiras suportadas e deduzidas pela contribuinte, em clara atitude de repercussão puramente gerencial, insuscetível de ingerência do Fisco.
Anote-se a temeridade de considerar-se o pagamento de dividendos como mera liberalidade, como se as empresas fossem voltadas a outra coisa senão a isso mesmo. Ora, como bem anotou o relator do feito na DRJ, cujo voto foi vencido, é este o cenário de um sistema capitalista.
(…)
Ora, se a capitação dos recursos financeiros é legítima, e o pagamento dos dividendos aos acionistas decorre da própria lógica do sistema, não vejo fundamento para a autuação somente porque a contribuinte substituiu o passivo Dividendos a Pagar por aquele gerado com as debêntures, e este produziu despesas financeiras que foram deduzidas do resultado enquanto o primeiro não produziria qualquer resultado dedutível.”
Como se vê, pois, a decisão em questão rechaçou a alegação de que o pagamento de dividendos em montante superior ao mínimo obrigatório representa liberalidade da empresa, a qual realmente não possui qualquer base legal, tampouco econômica, eis que, conforme destacado pelo trecho acima, “o pagamento dos dividendos aos acionistas decorre da própria lógica do sistema”.
A decisão também é importante na medida em que nega sucesso a autuação que representa clara intromissão da fiscalização na gestão das atividades da companhia, de sorte que o valor dos dividendos a serem pagos, desde que respeitando os limites legais, é decisão de caráter estritamente gerencial da companhia, não podendo prevalecer qualquer intromissão por parte do Fisco.
Trata-se de mais uma decisão que confirma o entendimento já há muito tempo sedimentado na jurisprudência no sentido de que, uma vez comprovada a efetividade da despesa e estando ela relacionada com as suas atividades, não cabe ao Fisco imiscuir-se na administração da empresa, não sendo viável a ele avaliar a oportunidade ou conveniência dos gastos.