Cláusula de melhores esforços cria obrigação para as partes
10 de agosto de 2015Cláusulas que determinam o emprego de “melhores esforços” têm se tornado cada vez mais recorrentes nas operações societárias brasileiras.
Operações societárias demandam o desempenho de uma série de condutas qualificadas como requisitos, condições suspensivas ou condições precedentes de sua conclusão. Como exemplo, imagine a aquisição da totalidade das ações da “Corretora de Valores XPTO” por estrangeiro, operação societária que necessita, entre outros requisitos, de aprovação prévia do Banco Central do Brasil. O contrato que rege esta transação menciona que “ambas as partes devem envidar seus melhores esforços para que a aprovação seja obtida perante as autoridades competentes”. O comprador, no entanto, nada faz para obter a aprovação do Banco Central: deixa de apresentar os documentos requeridos pelas normas internas que regulamentam a matéria; deixa de apresentar quem serão os sócios controladores da instituição após a transação; protocola requerimentos fora do prazo; etc.
A questão que se coloca é: A cláusula de melhores esforços cria uma obrigação para as partes? Ou será apenas um simples acordo de cavalheiros?
Alguns, como …, sustentam esta última hipótese: “Como já acenamos, tudo é no sentido de que não havendo comando ou ordem direta na cláusula para o contratante dar, fazer ou não fazer algo, mas simplesmente para que se conduza sob seus melhores esforços, a disposição não é contratual, não é coercível, equivalendo a simples exortação, a uma carta de intenções ou mero acordo de cavalheiros.”1
Contudo, considerando-se o fato de que as transações frequentemente realizadas no Brasil e no exterior utilizam maciçamente tal cláusula, a posição de … a respeito soa equivocada. Não parece razoável que advogados e operadores do Direito do mundo todo utilizem largamente tal disposição contratual, em transações de valores extremamente elevados, simplesmente como uma disposição incoercível, redutível a uma “simples exortação, a uma carta de intenções ou mero acordo de cavalheiros.”
A cláusula de melhores esforços obriga as partes. Trata-se de uma obrigação de meio, que compele os contratantes a realizar os atos mínimos necessários para alcançar o resultado pretendido no momento da celebração do contrato.
No exemplo da Corretora de Valores XPTO, é óbvio que a intenção das partes no momento da celebração do contrato era obter todas as aprovações dos órgãos governamentais competentes. Portanto, o comprador deveria realizar os atos necessários para alcançar tal resultado dentro dos padrões mínimos de mercado, ou seja: apresentar os documentos requeridos; protocolar requerimento dentro do prazo, etc.
Neste caso, portanto, a cláusula de melhores esforços possui a função de reforçar obrigações das partes decorrentes do próprio contrato. Ambas as partes possuem interesses convergentes, que é a aprovação da transação pelos órgãos governamentais.
Há outras situações, contudo, em que a cláusula de melhores esforços obriga uma das partes a praticar atos contrários aos seus interesses econômicos. Um bom exemplo desta situação é o notório caso Norte Americano Bloor vs. Falstaff.
Bloor ingressou com uma ação de indenização por perdas e danos contra Falstaff, sob a alegação de que esta havia descumprido ajuste contratual que a obrigava a envidar seus melhores esforços para manter um alto volume de vendas de uma cerveja (denominada Ballantine), pois parte do preço deste produto seria destinada a Bloor por um determinado período. Contudo, Falstaff vinha incorrendo em prejuízo e por isso decidiu reduzir seus esforços para venda da cerveja Ballantine.
O pedido de Bloor foi julgado procedente em todas as instâncias, tendo os julgadores entendido que Fastaff incorreu em inadimplemento, já que a cláusula de melhores esforços deve ser cumprida mesmo em momentos de dificuldade financeira.
A função da cláusula de melhores esforços contida no contrato do caso Bloor Vs. Falstaff é bastante distinta daquela contida no caso da Corretora de Valores XPTO. No caso Bloor Vs. Falstaff, referida cláusula obriga uma das partes a praticar um ato que beneficia a outra parte, ainda que lhe seja oneroso. Portanto, a cláusula de melhores esforços possui também a função de obrigar uma das partes a uma contraprestação contratual, especificamente restringindo que a parte atue exclusivamente em benefício de seu auto interesse.
Existem diversas situações, além daquelas ora descritas, em que a cláusula de melhores esforços pode ser utilizada. Sua função irá variar de acordo com o contexto pretendido pelas partes no momento da celebração do contrato.
Um critério promissor para a definição de sua eficácia parece ser a congruência ou a incongruência com os interesses econômicos das partes. A compreensão da cláusula passa, necessariamente, pelo mapeamento de seus usos e funções, uma empreitada que envolve, necessariamente, reflexões aplicadas a respeito de práticas não judicializadas.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-ago-07/clausula-melhores-esforcos-cria-obrigacao-partes