Devedor contumaz
18 de novembro de 2015Em meio à crise econômica e queda na arrecadação do governo federal, e com um saldo de R$ 1, 3 trilhão a receber em dívidas tributárias, a Receita Federal institui grupos de trabalho com novas estratégias para resgatar parte desse passivo. O objetivo é monitorar permanentemente o patrimônio do devedor contumaz, em geral as grandes empresas que recorrem a artimanhas legais para blindar seus bens do Fisco.
No entendimento da Receita, devedor contumaz é a empresa que sistematicamente declara sua dívida tributária, mas não a paga. E mais. Faz dela parte de seu negócio, lucrando e tirando vantagem em relação à concorrência. “A Receita estabeleceu procedimentos para a cobrança administrativa especial a fim de melhorar a recuperação do crédito tributário e reduzir o gap entre o que o contribuinte declara e o que ele paga”, afirma Jorge Antônio Deher Rachid, secretário da Receita Federal. Rachid participou de seminário “O Devedor Contumaz e a Ética Concorrencial”, segunda-feira, em São Paulo, que reuniu juízes, desembargadores, secretários de Fazenda, advogados e entidades de classe.
“São sugeridas 25 medidas coercitivas que buscam a aceleração do pagamento. A seleção dos débitos e passivos se baseia nos critérios de estudos de capacidade de pagamento do contribuinte”, explicou Rachid. Quem não regularizar a situação em um prazo máximo de seis meses será encaminhado ao Cadin (cadastro de dívida ativa do governo federal), que inviabilizará a utilização de crédito e financiamento com recursos de bancos públicos, será excluído dos programas de parcelamentos especiais (Refis), encaminhado ao Ministério Público Federal, terá proposição para fins penais, arrolamento de bens e será comunicado às agências reguladoras para que seja revogado o exercício de sua atividade.
Grupos de trabalho regionais também passam a monitorar dívidas tributárias superiores a R$ 2 milhões ou valores que comprometam 30% do patrimônio da empresa, com arrolamento de bens e acompanhamento da movimentação financeira do contribuinte na tentativa de evitar blindagem patrimonial e artimanhas jurídicas. Caso se observe que os bens estão sendo dilapidados, medida cautelar será impetrada para assegurar esses bens e garantir o recebimento do crédito tributário. Com base nessas ações, a Receita Federal conseguiu bloquear R$ 4,6 bilhões do grupo […] e R$ 188 milhões de empresas ligadas ao […].
A Receita tem cerca de R$ 104 bilhões em bens monitorados de mais de 11,5 mil contribuintes que já foram alcançados pelo arrolamento, e quase R$ 15 bilhões que foram objeto de medidas cautelares. Há ainda sob investigação 3,8 mil devedores com um passivo de R$ 380 bilhões, para a adoção de novas medidas cautelares. “Todas essas ações visam promover a ética concorrencial e fomentar um ambiente de negócios justo, leal e atrativo a investimentos, inovação e melhoria da produtividade”, avalia […].
A discussão acontece em meio à constatação de que os programas de refinanciamento de dívidas (Refis) não são efetivos e ainda estimulam os maus pagadores, que recorrem reiteradamente a eles sem nunca saldar suas dívidas. Nos últimos 15 anos, foram mais de oito Refis. Só o Refis da Crise, de 2009, teve quatro reaberturas em um período de24 meses. Eram 9 mil contribuintes com dívida total de R$ 147 bilhões, que entraram no programa várias vezes. E o resultado do que efetivamente se resgata desses programas fica entre2% a 3% do volume financeiro. “Neste caso, não adianta usar métodos convencionais contra criminosos cada vez mais sofisticados, que usam mecanismos judiciais para satisfazer seus objetivos”, considera Paulo Sergio Domingues, desembargador do Tribunal Regional Federal 3ª Região.
“Precisamos ter alternativas, pois isso estimula o não pagamento de tributos. Há casos de um período de 20 anos entre o ato gerador e a decisão final de pagamento do tributo, quando a empresa já não existe, nem ativos para o pagamento”, disse Fernando Marcelo Mendes, juiz federal e presidente da Associação dos Juízes Federais de São Paulo e Mato Grosso do Sul (Ajufesp).
Para avançar no campo jurídico, o [..], juntamente ao […], encaminhou anteprojeto de lei para diferenciar o devedor eventual, que classifica como “legítimo”, do devedor contumaz, “oportunista”. As duas entidades querem, entre outros pleitos, a introdução de dispositivo constitucional que permita o regramento de desequilíbrios concorrenciais tributários e a introdução do artigo 146-A na Constituição Federal. “A lei complementar poderá estabelecer critérios especiais de tributação, com o objetivo de prevenir desequilíbrios da concorrência, sem prejuízo de competência da União”, propõe […].
Mas o governo federal não é o único que está atrás dos inadimplentes. Ações efetivas dos governos estaduais começam a ser tomadas também nessa direção. No Estado de São Paulo, atualmente 99 empresas estão em monitoramento desde o final de agosto, dentre elas 18 usinas de álcool e açúcar. A intenção é resgatar R$ 3 bilhões de devedores tributários.
No entanto, o resultado prático até agora foi menos efetivo. “O resgate foi de R$ 27 milhões e o parcelamento de R$ 272,9 milhões”, afirma Renato Vilela, secretário de Fazenda do Estado de São Paulo. Rio Grande do Sul, Pernambuco, Bahia e Alagoas estão implementando sua própria legislação contra devedores contumazes.
Fonte: http://www.valor.com.br/legislacao/4319818/devedor-contumaz