Venda de alimento com prazo de validade vencido – Responsabilidade também do fabricante
30 de julho de 2009Venda de alimento com prazo de validade vencido – Responsabilidade também do fabricante
No Recurso Especial de n.º 980.860-SP (2007D 0197831-1), tendo por Relatora a I. Ministra NANCY ANDRIGHI, e por Recorrente a UNILEVER BESTFOODS BRASIL LTDA. e por Recorrida SAMANTHA CLAUDINO LIMA E OUTRO, restou decidido que em matéria de Direito do Consumidor, o pleito de indenização por danos morais e materiais, onde ocorre consumo de produto (Arrozina Tradicional) colocado em circulação quando seu prazo de validade já havia expirado, e que foi consumido por bebês que tinham apenas três meses de vida, vindo a causar-lhes gastroenterite aguda, a indenização procede por vício de segurança do produto. A Responsabilidade do Fabricante foi também aceita. Isto é, tanto o comerciante quanto o fabricante foram considerados responsáveis pelos danos causados. Isto porque o comerciante não pode ser tido como terceiro estranho à relação de consumo. Não configuração de culpa exclusiva de terceiro no caso, como decidido. “O produto alimentício destinado especificamente para bebês, exposto em gôndola de supermercado, com o prazo de validade vencido, que coloca em risco a saúde de bebês com apenas três meses de vida, causando-lhe gastroenterite aguda, enseja a responsabilização por fato do produto, ante a existência de vício de segurança previsto no art. 12 do CDC. O comerciante e o fabricante estão inseridos no âmbito da cadeia de produção e distribuição, razão pela qual não podem ser tidos como terceiros estranhos à relação de consumo. A eventual configuração da culpa do comerciante que coloca à venda produto com prazo de validade vencido não tem o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação pelos danos resultantes da ingestão da mercadoria estragada em face do fabricante.”. O valor da indenização já havia sido fixado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em R$ 12 mil. A Unilever então recorreu ao STJ, sustentando que não poderia ser responsabilizado pelo dano às vítimas porque a venda do produto fora da validade seria culpa exclusiva de terceiro: no caso o estabelecimento comercial que fez a venda final ao consumidor.
Ocorre que, perante o consumidor, o processo de produção e anulação do processo é uno e a ausência de qualidade em qualquer dessas fases contamina o produto. A excludente de responsabilidade prevista no artigo 14, § 3º, II do Código de Defesa do Consumidor, de culpa – rectius, ato imputável – exclusiva de terceiro, não abrange o comerciante ou o retalhista. O comerciante é responsável solidário quando praticar ato imputável, em acréscimo à responsabilidade do fabricante. Os integrantes da cadeia produtiva jamais podem ser terceiros uns em relação aos outros, para efeito de responsabilidade, sob pena de quebrar o princípio da solidariedade, em detrimento do consumidor.
“Da violação ao art. 12, § 3º, III, do CDC – Análise da existência de culpa exclusiva de terceiro (comerciante que oferece produto alimentício com prazo de validade vencido em suas gôndolas). Nos termos do art. 12 do CDC, o fabricante responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos, instituindo a lei taxativamente as causas excludentes de responsabilidade. Na presente hipótese, sustenta a recorrente, com base no inciso III do § 3º do referido art. 12 do CDC, que na condição de fabricante não pode ser responsabilizada pelos danos sofridos pelas recorridas, pois há culpa exclusiva de terceiro, isto é, do comerciante, proprietário do supermercado que ofereceu a mercadoria à venda em suas gôndolas sem observar que o prazo de validade já havia expirado. Todavia, o sistema adotado pelo CDC insere o comerciante e o fabricante na cadeia de produção e distribuição do produto viciado, e por isso não podem ser considerados terceiros estranhos à relação de consumo. Assim, mesmo havendo configuração da culpa de qualquer um deles, esta não tem o condão de afastar o direito de o consumidor propor ação de reparação quer em face do fabricante, quer em face do comerciante. Acerca do tema, Sergio Cavalieri Filho destaca que “o comerciante, repetimos, não é terceiro em relação ao fabricante (produtor ou importador), pois é ele que o escolhe para vender os seus produtos. Logo, responde – o fabricante – também por qualquer defeito do produto ou serviço, mesmo que surja já no processo de comercialização. O dever jurídico do fabricante é duplo: colocar no mercado produtos sem vícios de qualidade e impedir que aqueles que os comercializam, em seu benefício, maculem sua qualidade original.” (Programa de Responsabilidade Civil. 4ª Ed. São Paulo: Melhoramentos, 2003, p. 479). Esse posicionamento é respaldado, ainda, pelas lições do i. Min. Antônio Herman Benjamin, que, em obra doutrinária, sustenta que “o réu (fabricante, produtor, construtor ou importador), em ação indenizatória por acidente do consumo, não pode furtar-se ao dever de indenizar, com fulcro no art. 12, § 3º, III, sob o argumento de que o dano foi causado por culpa exclusiva do comerciante, entendendo este como terceiro.” (Fato do produto e do serviço. BDJur, Brasília, DF. 30 jan. 2008. p. 29. Disponível em: http:D D bdjur.stj.gov.brD dspaceD handleD 2011D 16340>). Dessa forma, o comerciante, tido pela recorrenteD fabricante como único e exclusivo culpado para a ocorrência dos danos sofridos pelas recorridas, não pode ser tido como terceiro estranho à relação de consumo, de maneira que se mostra inviável o reconhecimento da excludente de responsabilidade prevista no inciso III do parágrafo 3º do art. 12 do CDC, devidamente interpretado pelo TJD SP na presente hipótese.”.
Do voto do Exmo. Sr. Ministro MASSAMI UYEDA, podemos destacar:
“Então, é preciso – e o Superior Tribunal de Justiça, como o foro adequado, inclusive, para uniformizar a jurisprudência correta, a aplicação da lei federal – que esses casos, como esse agora, relatado e bem decidido pela Sra. Ministra Nancy Andrighi, sirvam de paradigmas, não tanto para punir o fabricante, mas para aperfeiçoar, porque o que se espera é que o consumidor que, ao final, é o destinatário de toda essa cadeia, seja respeitado. Com todo o respeito à sustentação, mas louvando também o posicionamento bem ético, porque S. Exa., o Advogado, ressaltou ser o tema controvertido, se analisarmos essa questão em uma ótica exclusivamente linear, da leitura do inciso III do § 3º do art. 12, o terceiro poderia ser qualquer um, mas, nessa cadeia específica de consumo, o terceiro comerciante integra, evidentemente, a linha da produção e da distribuição.”.
E, do voto contrário do Exmo. Sr. Ministro ARI PARGENDLER: “Data venia, o art. 12 do Código de Defesa do Consumidor dispõe acerca da responsabilidade do fabricante pelo fato do produto, e é sob esse viés que devem ser examinados os casos em que produtos alimentícios são consumidos fora do prazo da respectiva validade. De acordo com o § 1º, o fabricante responde pela época em que o produto é colocado em circulação, e esta se dá no momento em que o produto sai do seu estabelecimento. A comercialização pelo varejista não pode, por isso, constituir responsabilidade do fabricante. Disse bem o Desembargador Teixeira Leite ao proferir o voto vencido no julgamento da apelação: “… fundamental esse momento que é o da circulação do produto no mercado, em que se corta o cordão umbilical entre o produtor ou o fabricante e o mesmo. O controle direto do produto já não é do fabricante que, evidentemente, não tem como fiscalizar qualquer conduta do comerciante, o que se afirma por motivos de logística de distribuição, distâncias e imensidade das regiões, tempo de durabilidade dos produtos, ou, o que ordinariamente acontece, mas subordinando todos aos chamados riscos do desenvolvimento. Veja-se, por exemplo, a moderna figura do atacadista, intermediário entre o fabricante e o comerciante em geral” (fl. 318). A despeito do que possa parecer, essa interpretação não descura dos direitos do consumidor. A “Arrozina” continuará a ser fabricada mesmo que se impute ao fabricante essa responsabilidade que é, pela natureza das coisas, e pela lei, do varejista. O fabricante simplesmente transferirá para o respectivo preço os custos dessa responsabilidade, em detrimento dos consumidores atentos para o prazo de validade dos produtos alimentícios. Será o preço a ser pago pela sociedade por uma interpretação que só na aparência protege o consumidor. Essa responsabilidade do fabricante não será, então, hipótese de responsabilidade objetiva ou de outra qualquer; será um seguro, embutido no preço do produto, que todos pagarão. Com efeito, como se pode falar em responsabilidade sem um nexo de causalidade ? Voto, por isso, no sentido de conhecer do recurso especial e de dar-lhe provimento para restabelecer a autoridade da sentença de 1º grau, da lavra do MM. Juiz de Direito Dr. José Luiz de Carvalho.”.
Finalmente, do voto do Sr. Ministro PAULO FURTADO (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJD BA): ”Sra. Ministra Presidente, a lição que V. Exa. destaca do eminente Ministro Herman Benjamin parece que foi escrita para o caso. Diz S. Exa. que o fabricante não pode furtar-se ao dever de indenizar sob o argumento de que o dano foi causado por culpa exclusiva do comerciante, entendendo este como terceiro, e que o Juiz, muito ao contrário, deve condená-lo a ressarcir o prejuízo, cabendo-lhe, posteriormente, se for o caso, propor ação de regresso contra o outro agente da relação de consumo, isto é, o comerciante. Acompanho inteiramente o voto de V. Exa., negando provimento ao recurso especial.”.
Resulta, em curtas palavras, o processo de produção e comercialização passa ser tido como um só quando se tratar de direito do consumidor. O fabricante e o comerciante indenizam e, posteriormente se acertam (direito regressivo se houver). Na moderna teoria da responsabilidade civil, nada mais justo: aquele que sofre o prejuízo tem o seu ressarcimento garantido. O mais fica para o fabricante e o comerciante, que garantindo o lucro com suas atividades, devem acertar suas responsabilidades.