VENDA CASADA – CONSEQUÊNCIAS LEGAIS
17 de janeiro de 2013 Normal
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O casamento imperfeito
A venda
casada está presente na vida do consumidor. Jornais vendidos com fascículo de
cursos, sanduíches que vêm com o brinquedo, venda de pacotes de turismo
atrelado ao seguro. Diversas são as formas de dinamizar o mercado. Mas quando a
prática de subordinar a venda de um produto a outro é ilegal? O STJ tem algumas
decisões sobre o tema, que podem ajudar o consumidor a reivindicar seus
direitos.
Prevista no
inciso I do artigo 39 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), a prática é
caracterizada pela presença de duas diferentes formas de condicionamento. Ou
por vincular a venda de bem ou serviço à compra de outros itens ou pela
imposição de quantidade mínima de produto a ser comprado. A jurisprudência do
Tribunal não oferece respostas para todas as situações, mas orienta o
consumidor na sua decisão.
Em um
julgamento ocorrido em 2008, a Terceira Turma do Tribunal considerou que o
mutuário não está obrigado a adquirir o seguro habitacional da mesma entidade
que financie o imóvel ou por seguradora por ela indicada, mesmo que o seguro
habitacional seja obrigado por lei no Sistema Financeiro de Habitação. A
obrigação de aquisição do seguro no mesmo agente que financia o imóvel
caracteriza venda casada, uma prática considerada ilegal (Resp 804.202).
É venda casada
também condicionar a concessão de cartões de crédito à contratação de seguros e
títulos de capitalização. Em um caso analisado pelo STJ, os valores eram
incluídos nas faturas mensais dos clientes por uma empresa representante de
lojas de departamento. Ela alegou que o título de capitalização era uma
garantia, na forma de penhor mercantil, do pagamento da dívida contraída junto
com o cartão, o que estaria permitido pelo art. 1419 do Código Civil.
Prevaleceu a
tese de que a circunstância de os títulos de capitalização serem utilizados
como garantia do crédito concedido, semelhante ao penhor mercantil, não seria
suficiente para afastar o reconhecimento da prática abusiva (Ag 1.204.754).
Segundo o Código de Defesa do Consumidor, a prática de venda casada pode
acarretar detenção de dois a cinco anos e multa.
Pipoca no
cinema
Presente no
cotidiano das pessoas, a venda casada acontece em situações que o consumidor
nem imagina. O STJ decidiu, em julgado de 2007, que os frequentadores de cinema
não estão obrigados a consumir unicamente os produtos da empresa vendidos na
entrada das salas. A empresa foi multada por praticar a “venda casada”, ao
permitir que somente produtos adquiridos em suas dependências fossem consumidos
nas salas de projeção (Resp 744.602).
Segundo
argumento da empresa cinematográfica, o consumidor poderia assistir ao filme
sem nada consumir, razão pela qual não havia violações da relação de consumo.
Sustentou também que prevalecia o direito de não intervenção do Estado na
economia.
Contudo, para
os ministros do STJ que participaram do julgamento, o princípio de não
intervenção do Estado na ordem econômica deve obedecer aos princípios do
direito ao consumidor, que deve ter liberdade de escolha.
Os ministros
consideraram que a venda condicionada que praticou a empresa é bem diferente do
que ocorre em bares e restaurantes, em que a venda de produtos alimentícios
constitui a essência da atividade comercial.
A prática de
venda casada se caracteriza quando uma empresa usa do poder econômico ou
técnico para obstar a liberdade de escolha do consumidor, especialmente no
direito que tem de obter produtos e serviços de qualidade satisfatória e a
preços competitivos, explicou o ministro Luís Fux. Assim, o Tribunal entendeu
que o cidadão pode levar de casa ou comprar em outro fornecedor a pipoca ou
guloseimas que consumiria durante a exibição do filme.
Refrigerante
em posto de gasolina
O Código do
Consumidor brasileiro não proíbe o fornecedor de oferecer promoções, vantagens
aos clientes que queiram adquirir mais de um produto. Mas proíbe expressamente
condicionar a venda de um produto a outro. Assim também é previsto no Código de
Defesa da Concorrência (Lei 8.884/94). Em um recurso julgado em 2009, o STJ
decidiu que um posto de gasolina não poderia vincular o pagamento a prazo da
gasolina à aquisição de refrigerante por afrontar o direito do consumidor.
A venda
casada se caracteriza quando o consumidor não tem a opção de adquirir o produto
desejado se não se submeter ao comando do fornecedor. A empresa alegou que o
cliente, no caso, não estava forçado a adquirir refrigerantes, mas, ao
contrário, poderia adquirir à gasolina, sem vinculação alguma à aquisição de
bebida. A venda de refrigerantes fazia parte apenas de um pacote promocional
para pagamento a prazo.
De acordo com
os ministros, a prática abusiva se configurou pela falta de pertinência, ou
necessidade natural na venda conjunta dos produtos “gasolina” e “refrigerante”.
Embora o fornecedor tenha direito de decidir se o pagamento será a vista ou a
prazo, não pode condicionar a venda de um produto a outro, como forma de
suposto benefício (Resp 384.284).
Lanches
infantis
Segundo o
advogado Daniel Romaguera Louro, no artigo “A não configuração de venda casada
no oferecimento de produtos ou serviços bancários”, para configurar a prática
abusiva, é imprescindível o exame dos condicionamentos que determinam a compra
e a forma com que essa ocorre, bem como o perfil do cliente a que está imposta.
Em 2010, o
Tribunal determinou a reunião na Justiça Federal das ações civis públicas
propostas contra as redes de lanchonetes Bob’s, McDonald’s e Burger King, em
razão da venda casada de brinquedos e lanches “fast-food”. A Justiça estadual
de São Paulo e a Justiça Federal daquele mesmo estado analisam ações
semelhantes propostas pelos ministérios públicos estadual e federal (CC
112.137).
O Ministério
Público do Estado de São Paulo ingressou na 18ª Vara Cível do Foro Central de
São Paulo pedindo a condenação da rede Bob’s. Essa ação civil pública visa à
venda em separado de brinde, que só é entregue com a compra de lanche infantil
(lanche Trikids).
Em outra ação
civil pública, o Ministério Público Federal (MPF) pede à Justiça Federal (15ª
Vara Cível da Seção Judiciária de São Paulo) que condene a rede Bob’s e as
redes de lanchonetes McDonald’s e Burger King a não comercializarem lanches
infantis com oferta conjunta e, também, que não ofereçam a venda em separado de
brindes. A decisão de mérito ainda não chegou ao STJ.
Férias
frustradas
Diversas são
as situações de venda casada realizadas na oferta de pacote turístico. Em 2008
um consumidor comprou uma viagem para Cancun, no México, no qual passagem,
hotel, serviços de passeio e contrato de seguro de viagem foram vendidos de
forma conjunta pela operadora, embora a responsável pelo contrato de seguro
fosse outra empresa (Resp 1.102.849).
Sofrendo de
problemas cardíacos e necessitando de atendimento médico, o consumidor realizou
uma série de despesas no exterior. Na hora de pagar a conta, requereu a
condenação solidaria da operadora de turismo, que vendeu o pacote de turismo, e
da seguradora.
A empresa que
vendeu o pacote sustentou que se limitou a organização da viagem com reservas
em fretamento pela companhia aérea, diárias do hotel, traslado e guia local.
Paralelamente ao contrato do pacote de viagem, pactuou o contrato de seguro com
outra empresa, a qual devia responder pelas despesas realizadas.
Os ministros
entenderam que a responsabilidade solidária da empresa de turismo deriva, no
caso, da constituição de uma cadeia de fornecimento com a seguradora que
realizou contratação casada, sem que se tenha apontado ação individual da
voluntariedade do consumidor na determinação das condições firmadas.
O STJ tem
decisões no sentido de que uma vez comercializado pacote turístico, nele
incluíndo transporte aéreo por meio de vôo fretado, a agência de turismo
responde pela má prestação do serviço (Resp 783.016). Outra decisão garante que
agência de viagens responde por danos pessoais ocasionados pelo mau serviço
prestado em rede hoteleira, quando contratados em pacote turístico (Resp
287.849).
Seguro em
leasing
Em se
tratando de venda casada, somente o caso concreto pode dar respostas para um
suposto delito. Ao analisar um processo sobre arrendamento mercantil em que
impuseram ao consumidor a responsabilidade de pagar o seguro de um contrato de
leasing, o STJ decidiu que a prática não era abusiva. O seguro, no entanto,
poderia ser feito em seguradora de livre escolha do interessado, sob o risco de
ferir o direito de escolha do consumidor. (Resp 1.060.515).
Nos contratos
de leasing, a arrendadora é proprietária do bem até que se dê a efetiva quitação
do contrato e o arrendatário faz a opção, ao final do negócio, pela compra do
produto. O Tribunal considerou que nos casos de leasing, o consumidor é
responsável pela conservação do bem, usufruindo da coisa como se dono fosse,
suportando, em razão disso, riscos e encargos inerentes à sua obrigação.
Os ministros
entenderam, na ocasião, que não se pode interpretar o Código do Consumidor de
modo a tornar qualquer encargo atribuído ao consumidor como abusivo, sem
observar que as relações contratuais se estabelecem, igualmente, através de
regras de direito civil.
“Ante a
natureza do contrato de arrendamento mercantil ou leasing, em que pese a
empresa arrendante figurar como proprietária do bem, o arrendatário possui o
dever de conservar o bem arrendado, para que ao final da avença, exercendo o
seu direito, prorrogue o contrato, compre ou devolva o bem”, justificou o
desembargador convocado, ministro Honildo Amaral de Mello Castro.
Consumo
mínimo
A segunda
hipótese prevista pelo artigo 39 inciso I, que regulamenta venda casada no CDC,
é aquela que o fornecedor exige que se adquira uma quantidade mínima do
produto. É o típico caso em que o fornecedor garante a venda “se” e “somente
se” o consumidor adquirir certa quantidade do produto.
Em 2011, o
STJ pacificou o entendimento de que nos condomínios em que o total de água
consumida é medido por um único hidrômetro, é ilegal a cobrança do valor do
consumo mínimo multiplicado pelo número de unidades residências (Resp
1.166.561).
O recurso foi
interposto pela Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro
(Cedae), que pedia o reconhecimento da legalidade da cobrança de água
multiplicando a tarifa do consumo mínimo pelo número de unidades no condomínio,
nos meses em que o consumo registrado tiver sido menor que a cota estabelecida.
A companhia alegava que essa modalidade de cobrança é legal e não proporcionava
lucros arbitrários à custa do usuário.
Os ministros
da Primeira Turma à época consideraram que a Lei 6.528/1978 e a Lei 11.445/2007
instituíram a cobrança do serviço por tarifa mínima como forma de garantir a
sustentabilidade econômico-financeira dos serviços públicos de saneamento
básico. Isso permite aos usuários mais pobres um consumo expressivo de água a
preços módicos.
A cobrança,
no entanto, consistente na multiplicação da tarifa mínima pelo número de
residências de um condomínio não tinha amparo legal. Para o relator, ministro
Hamilton Carvalhido, não se pode presumir a igualdade de consumo de água pelos
condôminos, obrigando os que gastaram abaixo do mínimo a não só complementar a
tarifa, como também a arcar com os gastos de quem consumiu acima da cota.
Fonte: STJ em 13/01/2013
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