INCLUSÃO DA ADVOCACIA NO SIMPLES TRAZ GANHOS, MAS TAMBÉM CONTROVÉRSIAS
11 de dezembro de 2014Por Igor Mauler Santiago
Recentemente tratamos neste espaço de tema que, embora disciplinado pela Lei Complementar 147/2014, não se restringe ao universo do Simples, atingindo os contribuintes em geral (clique aqui para ler).
A coluna de hoje será dedicada a duas questões relativas a uma específica categoria de optantes: as sociedades de advogados.
De fato, como amplamente sabido, a Lei Complementar 147/2014, ao inserir o inciso VII no parágrafo 5º-C da Lei Complementar 123/2006, atendeu a velha reivindicação da advocacia, franqueando-lhe este regime tributário favorecido.
O primeiro ponto está em saber se é aplicável à classe a regra preexistente do artigo 72 da Lei Complementar 123/2006, que determina, sob a rubrica Do Nome Empresarial, que os optantes “acrescentarão à sua firma ou denominação as expressões ‘Microempresa’ ou ‘Empresa de Pequeno Porte’, ou suas respectivas abreviações, ‘ME’ ou ‘EPP’, conforme o caso…”.
A razão do questionamento é clara: as expressões têm manifesto caráter empresarial, que é vedado às sociedades de advogados pelo artigo 16 do Estatuto da OAB[1].
É certo que, no âmbito interno da Lei Complementar 123/2006, as expressões “microempresa” e “empresa de pequeno porte” são empregadas em sentido genérico, abarcando também as sociedades simples. É o que se depreende de seu artigo 3º:
“Art. 3º. Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte, a sociedade empresária, a sociedade simples, a empresa individual de responsabilidade limitada e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I – no caso da microempresa, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais); e
II – no caso da empresa de pequeno porte, aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) e igual ou inferior a R$ 3.600.000,00 (três milhões e seiscentos mil reais). (…)” [2]
Não fosse assim, aliás, o enquadramento da advocacia na lei sequer seria possível, já que esta — a teor de seu artigo 1º — “estabelece normas gerais relativas ao tratamento diferenciado e favorecido a ser dispensado às microempresas e empresas de pequeno porte…”.
Pensamos, entretanto, que isso não leva à conclusão automática pela aplicabilidade do artigo 72 à advocacia. E assim é porque, embora seja coerente com a tessitura interna da Lei Complementar 123/2006, a inclusão das expressões gerará efeitos no Direito como um todo, sendo inevitável o conflito com o artigo 16 do Estatuto da Ordem. E este, conquanto anterior, é específico para a regência do nome das sociedades de advogados, face à generalidade do artigo 72 da lei complementar (nome social de todos os contribuintes incluídos no Simples), aliás redigido quando tal opção era vedada à advocacia.
Some-se a esta razão jurídica o efeito moral que a revelação do modesto porte econômico do escritório poderá gerar sobre os seus clientes, interferindo negativamente em uma comparação que, ao contrário do que ocorre com as empresas de capital e com os serviços não personalíssimos, deve fazer-se em bases distintas: competência, confiabilidade, dedicação, criatividade, etc. Está em jogo a dignidade da profissão, profusamente garantida pelo Estatuto da OAB (vejam-se, entre outros, os seus artigos 6º, parágrafo único, 54, inciso III, e 61, inciso II).
A fim de evitar riscos para a classe, o ideal seria a edição, pela Receita Federal do Brasil, de norma expressa dispensando-a da formalidade.
Observamos, por fim, que a conclusão aqui sustentada não retira às sociedades de advogados com faturamento compatível, ainda que não optantes pelo Simples, nenhum dos benefícios não-tributários previstos na Lei Complementar 123/2006, como os vinculados às licitações públicas (artigos 42 a 49), à mitigação das obrigações acessórias trabalhistas (artigos 51 e 52) e ao acesso ao crédito (artigos 57 a 64), entre outros – o que, aliás, decorre da regra expressa do artigo 3º-B do diploma[3].
O segundo ponto concerne ao direito da sociedade de advogados beneficiária do Simples de seguir recolhendo o ISS em alíquota fixa (per capita), na forma do artigo 9º, parágrafo 3º, do Decreto-lei 406/68.
A regra sobreviveu à Carta de 1988, por não veicular isenção heterônoma (o que ofenderia o seu artigo 151, inciso III) ou redução de base de cálculo (o que violaria o seu artigo 150, parágrafo 6º), mas diretriz sobre a forma de quantificação do ISS, na esteira do seu artigo 146, inciso III, alínea a[4].
Sobreviveu também à Lei Complementar 116/2003, por ser norma específica e por não ter a lei geral superveniente regulado de forma exaustiva a matéria, donde permanecer em vigor até os dias atuais[5] [6], não podendo — diga-se incidentalmente — ter a sua abrangência restringida por lei municipais como as que pretendem negar o direito aos escritórios que tenham filiais ou que terceirizem parte de seus serviços, fato comum no setor: contratos de parceria para o atendimento de clientes ou de correspondência em outras cidades.
Dá-se que, no toca a esse imposto, a Lei Complementar 123/2006 (na redação da Lei Complementar 147/2014) é diploma ainda mais específico do que o Decreto-lei 406/68, na medida em que não colhe as sociedades de advogados em geral, mas apenas as sociedades de advogados optantes pelo Simples; e o fato é que prevê de modo claro a incidência de ISS ad valorem (de 2% a 5%, segundo a faixa de receita: ver Anexo IV, a que remete o artigo 18, parágrafo 5º-C).
A conclusão é inevitável: salvo alteração na lei complementar, o ISS fixo continua aplicável às sociedades de advogados em geral, mas não às beneficiárias do Simples — o que nem sempre será desvantagem, visto que alguns Municípios praticam alíquotas fixas abusivas, superando os R$ 600 por profissional ao mês no Município de Teresina…[7]
A única possibilidade de as sociedades de advogados optantes pelo Simples manterem o ISS per capita reside no artigo 18, parágrafo 18, da Lei Complementar 123/2006, que faculta — mas não obriga — os Municípios a estabelecerem valores fixos mensais para esse imposto, regra todavia aplicável somente aos escritórios com receita menor ou igual a R$ 360 mil por ano[8].
Solução diversa foi adotada para os escritórios de contabilidade, que não perdem o direito ao ISS por cabeça, mas em contrapartida ficam obrigados, sob pena de exclusão do Simples, a prestar serviços gratuitos a microempreendedores individuais, a fornecer certas estatísticas ao Governo e a promover eventos de orientação fiscal para outros optantes, deveres ademais previstos de forma altamente vaga pelo legislador (Lei Complementar 123/2006, artigo 18, parágrafos 22-A a 22-C).
O prazo de adesão para 2015 vai do início até o dia 30 de janeiro. Espera-se que, até lá, o Governo esclareça os pontos nebulosos. E recomenda-se aos contribuintes que façam simulações considerando as suas previsões de receitas e, especialmente, a forma de cobrança de ISS no seu município.
Nas faixas superiores da tabela, é provável que o regime normal de tributação, com opção pelo lucro presumido, se revele mais vantajoso do que o Simples para os escritórios de advocacia.
O sistema está longe de ser singelo. Para aproveitar as vantagens que ele inegavelmente traz, pelo menos desta vez os santos de casa terão de fazer milagre.
(…)