CARF, O SIGILO FISCAL FRENTE AO MP E OUTRAS QUESTÕES TRIBUTÁRIAS
14 de janeiro de 20152 de janeiro de 2015, 11h54
Por Mary Elbe Gomes Queiroz e Antonio Elmo Queiroz
Tratando da possibilidade de o Ministério Público requisitar dados fiscais de contribuintes diretamente para órgãos fazendários, a Advocacia-Geral da União tinha se posicionado pela constitucionalidade, independentemente de haver ordem judicial (Nota Técnica 179-2007/DENOR/CGU/AGU).
Todavia, está em análise na AGU uma reapreciação da questão que limita os dados passíveis de intercâmbio com o MP (Parecer AGU/SF/01/2014), apenas possibilitando o acesso às corriqueiras informações de Dívida Ativa, parcelamentos, Representações Penais (Artigo 198, parágrafo 3º do CTN). Instada a se manifestar sobre esse novo quadro, a PGFN apontou que anteriormente já tinha esse entendimento, até o posicionamento amplo da AGU; manifestação assim fundamentada:
Nota PGFN/CAT 1.455/2014 (publicada em 12 de dezembro de 2014)
3. O Parecer AGU/SF/01/2014, cuja Ementa e Conclusão seguem transcritas, adota linha mais restritiva do que a defendida na Nota Técnica 179/DENOR/CGU/AGU, vejamos: (…)
I) em regra, ex vi da obrigatoriedade da observância do sigilo fiscal, corolário do direito constitucional à privacidade e à inviolabilidade da comunicação de dados (CF, artigo 5º, X e XII; CTN, artigo 198, caput), a administração tributária federal não pode atender às solicitações diretas do Ministério Público Federal, de outros ramos do Ministério Público da União, do Ministério Público dos Estados, sobre dados pessoais considerados sensíveis do sujeito passivo ou terceiros, atinentes a privacidade dessas pessoas, nem encaminhar documentos (declaração para fins do imposto de renda, por exemplo) ou dados do contribuinte, responsável tributário ou de terceiros capazes de revelar a sua situação econômica ou financeira ou a natureza e o estado de seus negócios ou atividades, visto que informes, dados e documentos amparados pelo sigilo fiscal só podem ser relativizados mediante prévia autorização do Poder Judiciário (CTN, artigo 198, parágrafo 1o, inciso I), por decisão fundamentada de Comissões Parlamentares de Inquérito (CF, artigo 58, parágrafo 3º), pelas Administrações Tributárias (CF, artigo 145, parágrafo 1º; artigo 146, parágrafo único, inciso IV; artigo 4º, inciso IX; do artigo 37, caput e inciso XXII; do artigo 70, caput), e, segundo atualmente se entende, pela Administração Pública em geral existindo processo administrativo com o escopo de investigar o sujeito passivo por pratica de infração administrativa (CTN, artigo 198, parágrafo 1º, inc. II), não sendo vedada a divulgação de informações relativas a representações fiscais ao Ministério Público para fins penais; inscrições na Dívida Ativa da Fazenda Pública; parcelamento ou moratória (CTN, artigo 198, parágrafo 3º).
II) em face do estágio atual vacilante da jurisprudência, é razoável que se conclua que outros dados do sujeito passivo ou terceiros, como os cadastrais gerais ou de mera identificação (nome, CPF ou CNPJ, filiação, idade, estado civil, profissão etc.) revelados, normalmente, pelas pessoas em suas relações sociais cotidianas, e que o Ministério Público da União e dos Estados poderiam, de outra forma, obter junto a entidades de proteção do crédito, por exemplo, podem ser encaminhados ao Parquet, em atendimento à sua solicitação; (…)
Propõe-se a revisão da Nota Técnica 179/DENOR/CGU/AGU, aprovada pelo Consultor-Geral e pelo Advogado-Geral da União de então, que entendia constitucional a transferência direta, em qualquer hipótese, do sigilo fiscal ao Ministério Público. (…)
Recomenda-se, pois, em consonância com a política desta instituição de não se abarrotar de processos o Poder Judiciário, mais do que o estritamente necessário, a observância das interpretações, aqui destacadas, que vêm prevalecendo do âmbito do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça sobre a matéria da transferência do sigilo fiscal.
Caso contrário, estar-se-ia favorecendo, na visão atual da jurisprudência dos Tribunais Superiores pátrios, a geração de provas ilícitas.
4. Até o advento da Nota Técnica 179/DENOR/CGU/AGU, esta Procuradoria-Geral mantinha entendimento no sentido de que informações protegidas pelo sigilo fiscal só poderiam ser prestadas aoParquet se atendidos os requisitos do artigo 198 do CTN.
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Deságio futuro
Apreciando autuação que tributou o deságio que contribuinte obteve ao adquirir créditos de Precatórios Estaduais e Títulos da Dívida Pública Federal, Turma do Carf manteve a improcedência do lançamento, fixando que, no momento da aquisição dos títulos, o deságio é mera expectativa de direito, que só se realizará quando houver o resgate ou a compensação dos títulos; assim ementado e fundamentado:
Acórdão 1202-001.088 (publicado em 20.05.2014)
DESÁGIO. AQUISIÇÃO DE PRECATÓRIOS. EXPECTATIVA DE DIREITO.
Como a compra de precatórios representa uma expectativa de direito, ou ganho patrimonial que por si só não é acréscimo patrimonial até sua realização, não há [que] se falar em receita ou disponibilidade financeira, ou mesmo jurídica, uma vez realizável a longo prazo, sem data prevista.
Voto Vencido (…)
A questão que se coloca em análise é se o procedimento do contribuinte de registrar no patrimônio a aquisição de precatórios de terceiros com deságio dá ou não ensejo à tributação pelo IRPJ e CSLL. (…)
Na hipótese de serem os precatórios emitidos em favor da própria autuada, seu registro contábil seria pelo valor de face, em conta do ativo (circulante ou não circulante, dependendo do prazo de resgate), sendo a contrapartida a baixa do crédito que a pessoa jurídica dispunha contra o ente estatal. Caso previstos juros, entre a data de emissão do precatório e até seu vencimento, estes deveriam ser contabilizados como receitas, dentro do regime de competência (artigo 177 da Lei 6.404/76).
Todavia, esse não é o caso dos autos. No caso concreto, o contribuinte reconheceu a receita do deságio, aumentando o patrimônio líquido e, posteriormente, a excluiu da apuração do lucro real e da base de cálculo da CSLL. (…)
Utilizando o mesmo exemplo numérico do voto em reexame, cabe referir que há, sim, um crescimento do patrimônio para R$ 100 mil, para fins de tributação da renda, se o valor pago pelo contribuinte foi R$ 60 mil e, quanto aos restantes R$ 40 mil (deságio), não foi utilizada a faculdade de apropriação do valor pago a menor (deságio) ao longo do tempo, até o vencimento do precatório. Isso significa o reconhecimento da receita no momento da aquisição, como determina o regime de competência.
Assim, entende-se, ao contrário do contido no voto vencedor da primeira instância, que o procedimento da recorrente de considerar o deságio indevidamente como “receita” no ato da aquisição, acabando tal receita por se incorporar na totalidade ao seu Patrimônio Líquido, não representa um “erro”, mas, sim, a sua opção de não utilizar a faculdade do artigo 373 do RIR/99, o que não fere o princípio da competência, definido pela Resolução CFC 750/93.
Nesse caso, uma vez reconhecida a receita, esta deve ser tributada, não competindo à autoridade fiscal diferir o ágio da forma como permite a legislação, já que se trata de faculdade conferida ao contribuinte, mas a obriga à constituição do crédito tributário no momento do reconhecimento daquela receita.
Voto Vencedor (…)
O voto condutor da decisão de primeira instância é bem claro ao asseverar que se está diante de uma expectativa de direito, ou seja, sequer se configurou uma disponibilidade jurídica, menos ainda a econômica, nos termos conceituais e legais do fato gerador do imposto sobre a renda, nos termos do artigo 43 do CTN. (…)
Assim, em que pese a correta e bem feita abordagem sobre o regime de competência, como se trata de mera expectativa de direito, o tratamento de receita, sob tal regime, ainda não se completou a sua existência válida e juridicamente para produzir legais efeitos fiscais, como disponibilidade jurídica.
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Sem risco de prescrição
Na coluna de 4 de setembro de 2014, apresentado o posicionamento da PGFN contrário a existir um procedimento prévio de habilitação para, só após, o contribuinte poder compensar créditos reconhecidos judicialmente; procedimento imposto pela Receita Federal, que pode levar à extrapolação do prazo prescricional para compensar, por retardo da administração (Parecer PGFN 1.408/2014). Arrematando a PGFN que “sendo a implementação das sugestões ali contidas decisão a ser avaliada pela própria Administração Pública”.
Agora, a Receita Federal reavaliou a questão em Parecer Normativo, concluindo em sentido inverso, pela mantença do procedimento de habilitação, mas solucionando o risco da prescrição ao interpretar que haveria uma causa de suspensão; assim fundamentado:
Parecer Normativo Cosit 11/2014 (publicado no Diário Oficial da União em 22 de dezembro de 2014)
A habilitação prévia do crédito decorrente de ação judicial é medida que tem por objetivo analisar os requisitos preliminares acerca da existência do crédito, a par do que ocorre com a ação de execução contra a Fazenda Nacional, quais sejam, legitimidade do requerente, existência de sentença transitada em julgado e inexistência de execução judicial, em respeito ao princípio da indisponibilidade do interesse público.
O prazo para a compensação mediante apresentação de Declaração de Compensação de crédito tributário decorrente de ação judicial é de cinco anos, contados do trânsito em julgado da sentença que reconheceu o crédito ou da homologação da desistência de sua execução.
No período entre o pedido de habilitação do crédito decorrente de ação judicial e a ciência do seu deferimento definitivo no âmbito administrativo, o prazo prescricional para apresentação da Declaração de Compensação fica suspenso. (…)
CONTAGEM DO PRAZO PRESCRICIONAL (…)
O que se analisa aqui é o prazo prescricional após a ação judicial que gera um crédito decorrente de tributo federal em favor de um contribuinte, vale dizer, o prazo prescricional para extinguir o débito do Fisco (…). Entretanto, como a lei que disciplinou a forma de compensação de créditos decorrente de ação judicial (artigo 74 da Lei 9.430, de 1996) não dispôs sobre essa contagem (assim como fez com o prazo para homologação de cinco anos da Dcomp), cabe ao intérprete fazê-lo. (…)
11.1. O posicionamento da RFB é que a aplicação do prazo para execução da sentença, aí incluído para apresentar a Dcomp, é de cinco anos por uma construção sistêmica, e não entende que há aplicação do artigo 168 do CTN nem que se trata de normas gerais de direito tributário, o que necessitaria de lei complementar para seu disciplinamento, por força da alínea “a” do inciso III do artigo 146 da CF. (…)
O prazo para interposição da ação judicial realmente deve se dar mediante lei complementar, mas não é o caso para sua execução mediante compensação. (…) E mais: uma interpretação de que o prazo para apresentar a Dcomp após a sentença somente se daria por lei complementar é o mesmo que dizer que todo o instituto de compensação tributária deveria estar disciplinada por lei complementar. Nunca houve decisão judicial nesse sentido, muito pelo contrário. (…)
11.3. Desta feita, a melhor interpretação é que a interposição do pedido de habilitação suspende o prazo prescricional para apresentar a Dcomp, conforme dispõe o artigo 4º do Decreto 20.910, de 1932:Artigo 4º Não corre a prescrição durante a demora que, no estudo, ao reconhecimento ou no pagamento da dívida, considerada líquida, tiverem as repartições ou funcionários encarregados de estudar e apurá-la. (…)
11.6. A interpretação no sentido da suspensão da contagem do prazo em referência é a que melhor se coaduna, do ponto de vista da segurança jurídica tributária, com a atual exigência de habilitação do crédito decorrente de ação judicial como condição prévia à apresentação da respectiva declaração de compensação. Desse modo, o período entre o pedido de habilitação e a ciência do seu deferimento definitivo no âmbito administrativo (o que inclui a habilitação do crédito após provimento de recurso) suspende o prazo prescricional para apresentar a Dcomp.
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Decisões variadas em matéria procedimental
Na Resolução 2101-000.182 (publicada em 15 de dezembro de 2014), Turma do Carf, julgando Embargos de Declaração contra decisão que não conheceu de recurso por intempestividade, retifica o acórdão aceitando que pode haver postagem de recurso nos Correios, e que essa é a data que deve ser aferida para fins da contagem do prazo recursal; mas baixando os autos em diligência apenas para complementação das peças do processo.
No Acórdão 2102-002.787 (publicado em 29 de maio de 2014), Turma do Carf afasta nulidade de processo, em matéria que atualmente vem sendo agitada no Judiciário; assim ementado: “na Portaria Ministerial que regulamenta o procedimento da sessão de julgamento na DRJ, não há previsão para a publicação prévia de pauta de julgamento, de sustentação ora por parte do impugnante ou seu patrono ou mesmo para o acompanhamento de interessados. Seguindo o julgamento o rito da Portaria MF 58/2006, vigente na época da sessão, não há falar em vulneração aos princípios do contraditório e da ampla defesa, até porque sequer no judiciário há previsão dos atos acima discriminados de forma absoluta, pois, por exemplo, em regra, as decisões de primeiro grau não são proferidas em audiências, na presença das partes e seus patronos, mas no recesso dos gabinetes dos juízes, e nem por isso se levanta alguma vulneração aos princípios do contraditório e da ampla defesa nesse proceder”.