Concorrência na tributação a empresas
5 de março de 2015A reforma da lei tributária empresarial emerge como uma área de possíveis ações conjuntas bipartidárias nos Estados Unidos ao longo dos próximos meses. Ainda restam, no entanto, questões fundamentais sobre a abordagem mais apropriada.
Há um reconhecimento generalizado de que o regime de impostos a empresas nos EUA tem profundos defeitos. A taxa é muito alta? a base de empresas contribuintes é muito estreita? o sistema é custoso para o administrador e é repleto de créditos, deduções e preferências especiais que distorcem as decisões, prejudicando a economia.
Apesar de alto, o imposto cobrado das empresas representa uma parte relativamente pequena da arrecadação do governo, em parte porque uma parcela cada vez maior do total da receita das empresas atualmente mais de 30% flui por meio das chamadas organizações de “passagem” [o dinheiro “passa” diretamente aos acionistas e donos], que não estão sujeitas aos impostos a pessoas jurídicas. De fato, a maior parte dos impostos empresariais é paga por um pequeno número de grandes multinacionais que ganham mais da metade de sua receita em operações no exterior.
Essas multinacionais concorrem em mercados internacionais contra firmas de países que promovem políticas tributárias mais favoráveis às empresas, com a ideia de atrair investimentos, renda e as externalidades associadas às multinacionais. O problema para os EUA é que as economias emergentes e as desenvolvidas vêm reduzindo seus impostos, o que deixa o país cujas taxas a empresas, depois da reforma tributária em 1986, haviam ficado entre mais baixas do mundo em séria desvantagem.
Mais recentemente, o Reino Unido reduziu seu imposto para 20%, metade das taxas médias estatais e federais nos EUA. E, desde 2013, o Reino Unido aplica um regime especial para a receita derivada de patentes, cuja taxa vai cair gradualmente para 10% até 2017. Atualmente, 12 países da União Europeia criaram ou estão criando regimes tributários especiais similares para a receita gerada pela propriedade intelectual, com impostos entre 5% e 15%.
O imposto total cobrado das empresas nos EUA é de 39%, mais de 14 pontos percentuais acima da média nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) e o maior no mundo desenvolvido. Essas diferenças afetam as decisões das firmas sobre quanto investir, como financiar os investimentos e onde fazer negócios.
A ideia de que uma redução considerável dos impostos nos EUA favoreceria o crescimento ganhou apoio bipartidário algo raro no Congresso americano na atualidade. Obama propôs uma taxa de 28%, com alíquota preferencial de 25% para a indústria e provisões especiais adicionais para promover a pesquisa e desenvolvimento e a energia limpa.
Também há consenso bipartidário quanto à ideia de que a arrecadação perdida com a redução de impostos seria compensada principalmente pelo aumento da base de empresas contribuintes a mesma abordagem adotada na reforma tributária de 1986. Ampliar a base também reduziria a complexidade do sistema e aumentaria sua eficiência. Restam, contudo, fissuras profundas quanto a quais vantagens deveriam ser eliminadas e quais atividades atualmente fora da base de empresas cobradas deveriam ser incluídas.
Outra área de controvérsia é como reformar a tributação dos lucros internacionais das multinacionais americanas. Todos os demais países do G7 e 28 dos 33 países da OCDE têm sistemas tributários “territoriais”, que permitem a empresas com operações internacionais repatriar a maior parte de seus lucros externos sem pagar um imposto doméstico adicional significativo. Em contraste, os EUA usam o modelo “mundial”, que sujeita o lucro externo das empresas americanas ao imposto empresarial dos EUA, proporcionando créditos para impostos pagos em jurisdições externas.
O alto imposto às empresas dos EUA e o uso da abordagem tributária “mundial” aos lucros externos de suas multinacionais corroem a competitividade das firmas americanas nos mercados internacionais e em aquisições no exterior. A atual lei americana tenta suavizar essas desvantagens competitivas por meio do adiamento da cobrança, que permite às multinacionais dos EUA adiar o pagamento de impostos sobre o lucro de suas subsidiárias estrangeiras até que seja de fato repatriado ao país.
A cobrança diferida, no entanto, tem custos. Lucros adiados ficam “travados” fora da economia dos EUA, de forma que o governo não arrecada nada com eles e esse dinheiro não fica diretamente disponível para uso doméstico pelas empresas americanas controladoras. E essas firmas têm um custo em torno a 7% da receita externa acumulada que vai sendo adiada, como resultado das limitações a seu uso.
O governo Obama propõe acabar com a cobrança diferida e, em vez disso, que as empresas dos EUA paguem um imposto efetivo de pelo menos 22,4% sobre seus lucros em cada jurisdição estrangeira em que operam ou paguem um imposto adicional aos EUA sobre esse lucro no momento em que é obtido. Um objetivo fundamental é moderar os incentivos às multinacionais dos EUA para que “transfiram seus lucros para paraísos fiscais”.
A maior parte dos lucros sujeita a pagar o imposto mínimo, contudo, não seria resultado da transferência a paraísos fiscais, mas de atividades econômicas reais a serviço de mercados estrangeiros. Os lucros afetados incluiriam, por exemplo, uma parte significativa da receita externa das multinacionais dos EUA na União Europeia, que em 2012 foi fonte de cerca de 45% do lucro externo das multinacionais americanas. Dos 28 países da UE, 16 tem taxas oficiais inferiores a 22,4% e as taxas efetivas provavelmente são ainda menores.
Além disso, enquanto as empresas não americanas podem aproveitar os regimes tributários especiais para patentes em 12 países da UE, as empresas americanas ficariam sujeitas a uma taxa mínima muito maior, o que minaria sua capacidade tanto de concorrer nesses mercados quanto de adquirir firmas estrangeiras com propriedade intelectual que desejassem. Em vez disso, se tornariam alvos mais atraentes para compradores estrangeiros e teriam ainda mais incentivos para transferir suas sedes, pesquisa e desenvolvimento e propriedade intelectual futura para jurisdições com impostos mais baixos e sistemas territoriais.
Em um mundo de capital móvel em especial o lucrativo capital intangível das externalidades decorrentes da pesquisa e desenvolvimento os EUA deveriam adotar um sistema territorial “híbrido”, que inclua medidas de proteção consistentes com as usadas de forma bem-sucedida por outros países desenvolvidos. E deveria promover medidas multilaterais para combater a transferência de lucros para paraísos fiscais.
Com os EUA embarcando em uma reforma tributária empresarial, os políticos deveriam ter em mente que os outros países valem-se de políticas de incentivo e não de punições para concorrer pelas atividades e lucros das empresas globais. Os EUA deveriam fazer o mesmo. (Tradução de Sabino Ahumada)
Laura Tyson, ex-presidente do Conselho de Assessores Econômicos do presidente dos EUA, é professora na Haas School of Business, na Universidade da Califórnia, em Berkeley. Project Syndicate, 2015.
Fonte: http://www.valor.com.br/opiniao/3938294/concorrencia-na-tributacao-empresas#