ICMS na aquisição de softwares: a ilegalidade do Decreto 61.522/2015
27 de outubro de 2015Em 30 de setembro de 2015 foi publicado o Decreto do Estado de São Paulo 61.522, que revoga o Decreto 51.619/2007 e introduz cálculo específico da base de tributação do ICMS em operações com programas de computador. O novo Decreto será vigente a partir de 01/01/2016.
O revogado Decreto 51.619/2007 determina que na operação realizada com softwares, personalizados ou não, o ICMS deve ser calculado sobre uma base correspondente ao dobro do valor de mercado do seu suporte informático (mídia), o que afasta a incidência do ICMS sobre o programa em si. Esse Decreto fora instituído no intuito de “resguardar a competitividade da economia paulista diante de políticas tributárias implementadas por Estados vizinhos”, bem como obter a “ampliação de investimentos e à oferta de empregos (…)” (conforme Ofício GS 88-2007).
Ocorre que o Decreto revogado já apresentava vícios, uma vez que (a) as operações com softwares (personalizados ou não) estão sujeitas ao ISS e não ao ICMS, conforme itens 1.04[2] e 1.05 [3] da lista anexa à Lei Complementar 116/2003 (LC 116/2003); e (b) o fornecimento de mercadorias (no caso, as mídias) com prestação de serviços somente pode ser tributado pelo ICMS caso haja expressa menção, na legislação do ISS, para que ocorra essa incidência, conforme artigo 2º, inciso V, da Lei Complementar n.º 87/96 (LC 87/96) [4], o que não é o caso dos itens 1.04 e 1.05 da lista anexa à LC 116/2003.
Por outro lado, ainda que o aludido Decreto apenas alcance os suportes físicos, a Secretaria da Fazenda de São Paulo (Sefaz/SP) sempre adotou o entendimento de que as operações com softwares adquiridos viadownload estão inseridas no campo de incidência do ICMS, ficando à margem da incidência do imposto estadual apenas pela inexistência de suporte informático (cujo valor é exigido para compor a base de cálculo) (Resposta à Consulta Tributária 234/2011 [5] e Resposta à Consulta Tributária 494/2011, de 24 de outubro de 2011 [6]).
Com a publicação do Decreto 61.522/2015, foi revogado o Decreto 51.619/2007, com o intuito de “adequar, a partir de 1º de janeiro de 2016, a tributação do ICMS incidente nas referidas operações à adotada em outras Unidades Federadas”, de modo que “a base de cálculo nas operações com programas de computador passa(rá) a ser o valor da operação, que inclui o valor do programa, do suporte informático e outros valores que forem cobrados do adquirente” (Ofício GS 771/2015).
Embora o novo Decreto não seja claro nesse sentido, levando em conta a posição da Consultoria Tributária da Sefaz/SP, existe uma grande possibilidade de o Estado de São Paulo exigir o ICMS também nas operações com softwares adquiridos via download, o que acarretaria uma série de problemas de ordem legal.
Primeiramente, e conforme já apontado, tanto a elaboração de programas de computador feitos sob encomenda, quanto o licenciamento ou cessão de direito de uso de programas distribuídos em série (“softwares de prateleira”), estão sujeitos à incidência do ISS e não do ICMS, conforme itens 1.04 e 1.05 da lista anexa à LC 116/2003, queestá válida e vigente. Desse modo, não poderia o Estado, por meio de um simples decreto, instituir a cobrança do ICMS sobre a mesma operação. Essa conclusão vale tanto para os softwares comercializados com mídia quanto para aqueles adquiridos por download.
Especificamente com relação ao download, entendemos que se trata de uma nova hipótese de incidência de ICMS, que não poderia ser criada por meio de um decreto estadual, ainda que se considere que odownload de softwares possa ser considerado uma “circulação de mercadorias”, como recentemente entendeu o Supremo Tribunal Federal no caso de download de “softwares de prateleira” (conforme julgamento da Medida Cautelar na ADIn 1945-MT [7]). Isso porque, ainda que os softwares produzidos em série possam ser equiparados a “mercadorias”, fato é que não existe uma lei que tenha instituído tal cobrança de forma direta, não podendo um decreto estadual inovar e criar um novo fato gerador de tributo, em ofensa ao princípio da estrita legalidade tributária. Ademais, a LC 116/03 não foi objeto de análise naquela ADIn e – repita-se – permanece válida e vigente, o que também torna a cobrança indevida nessas situações.
Além disso, as operações com softwares via download reclamam a criação de uma lei complementar que regulamente tais operações, de modo a determinar (i) o Estado competente para cobrar o ICMS; (ii) o contribuinte ou responsável pelo recolhimento (“Vendedor”? Adquirente?); (iii) o momento da incidência (Início do download? Conclusão do download? Outro?); (iv) o local da ocorrência do fato gerador (diante da ausência de uma saída física de mercadoria, onde ocorrerá a operação?); (v) o conceito de estabelecimento no ambiente virtual; e (vi) questões inerentes ao momento da emissão de Notas Fiscais e controle de “estoques”. A definição desses pontos é essencial para que possa haver a cobrança, sobretudo se levarmos em conta que, a partir de 01/01/2016 (mesmo dia do início da vigência do novo Decreto paulista), o ICMS devido nas operações interestaduais com não contribuintes deverá ser dividido entre os Estados de origem e de destino, o que pode trazer ainda mais problemas nos casos dedownloads.
Frisamos que essa discussão apenas alcança as operações comdownload de softwares ocorridas totalmente em território nacional, uma vez que o ICMS devido na importação tem como momento de incidência o desembaraço aduaneiro, conforme artigo 12, inciso IX, da LC 87/96, o que não ocorreria no caso. De todo modo, acaso o Fisco paulista tenha a intenção de também cobrar o imposto nessas situações, mais uma ilegalidade ocorreria.
Diante de todo o quadro, entendemos que o Decreto 61.522/2015 viola tanto a Constituição Federal (princípio da legalidade) quanto as Leis Complementares 87/96 e 116/2003.
Fonte: http://jota.info/icms-na-aquisicao-de-softwares-a-ilegalidade-do-decreto-61-5222015