COBRANÇA DO PIS/PASEP E DA COFINS SOBRE RECEITAS FINANCEIRAS
19 de maio de 2015O artigo 195, inciso I, alínea “b”, da Constituição Federal, com redação alterada pela Emenda Constitucional 20/1998, estabelece, entre as receitas destinadas a assegurar o financiamento da Seguridade Social, a contribuição ao PIS/Pasep e a Cofins, que incidem sobre a receita ou faturamento da empresa.[1]
Segundo estabelecia o artigo 3º, parágrafo 1º, da Lei 9.718/1998, todas as receitas, operacionais ou não, inclusive as decorrentes de aplicações financeiras, integravam a receita bruta da pessoa jurídica para fins de incidência da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, exceção feita àquelas expressamente arroladas como excluídas das respectivas bases de cálculo. Tal concepção de receita bruta vigorou até o advento da Lei 11.941/2009, que revogou o referido parágrafo 1º do artigo 3º. Com a expressa revogação do citado dispositivo legal, as receitas financeiras, inclusive as decorrentes de variação cambial, das pessoas jurídicas, sujeitas ao regime de apuração cumulativa deixaram de ser consideradas com parte da receita bruta, o que as afastou da incidência da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, permanecendo alcançadas pela tributação apenas aquelas auferidas em decorrência do exercício atividade empresarial do contribuinte, ou seja, as intrínsecas ao seu faturamento. As mesmas receitas das pessoas jurídicas sujeitas ao regime não cumulativo não tiveram, no entanto, a mesma sorte e permaneceram sendo tributadas por imposição do disposto no artigo 1º das leis 10.637/2002 e 10.833/2003.
A Emenda Constitucional 42 de 2003[2] introduziu ao artigo 195 o parágrafo 12, no qual está contemplado o princípio da não cumulatividade, a ser observado na cobrança das referidas contribuições, e delegou à lei ordinária a incumbência de definir a que setores da atividade econômica referido princípio deve ser observado.
O legislador infraconstitucional, cumprindo a incumbência que lhe foi atribuída pelo constituinte reformador, editou as Leis 10.637/2002 e 10.833/2003, nas quais estabelece a disciplina relativa à não cumulatividade da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins.
Posteriormente, em 30 de abril de 2004, foi publicada a Lei 10.865/2004, que estabelece a incidência das referidas contribuições sobre as importações de bens e serviços, e, em seu artigo 27[3], disciplina a não cumulatividade em relação aos empréstimos e financiamentos, estabelecendo ainda a dedutibilidade das despesas financeiras realizadas para a sua obtenção. No parágrafo 2º do dispositivo apontado, o legislador delegou ao Poder Executivo a prerrogativa de elevar e reduzir as alíquotas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, incidentes sobre receitas financeiras das pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa.
Diante da autorização veiculada pelo artigo 27, parágrafo 2º, da Lei 10.865/2004, o Decreto 5.164/2004 reduziu a zero as alíquotas das contribuições em questão, incidentes sobre receitas financeiras de pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa, desoneração esta que não alcançou os juros sobre capital próprio e as operações de hedge realizadas até 31 de março de 2005.
Depois de 1º de abril de 2005, com a revogação do Decreto 5.164/2004 pelo Decreto 5.442/2005, inclusive as operações de hedge foram desoneradas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, tendo sido mantida a tributação dos juros sobre capital próprio.
O Governo Federal, em razão do déficit apresentado pelas contas públicas, tem adotado medidas que, no seu todo, compõem um pacote de ajuste fiscal, e a edição do Decreto 8.426/2015 é certamente uma delas. Referido Decreto restabelece em 0,65% e 4% as alíquotas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, incidentes sobre as receitas financeiras, inclusive aquelas realizadas para a finalidade de hedge, de pessoas jurídicas cujas receitas estão total ou parcialmente sujeitas ao regime de tributação não cumulativa. Quanto aos juros sobre o capital próprio, que não haviam sido alcançados pelo benefício desonerativo, ficaram mantidas em 1,65% e 7,6%, respectivamente, as alíquotas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, respectivamente.
A desoneração em questão deveu-se, em 2004, a motivos extrafiscais de política tributária. Naquele momento a autoridade fazendária entendeu por bem abrir mão das receitas em questão. Tratando-se de hipótese de extrafiscalidade e diante da mudança do cenário econômico, com repercussão direta sobre a arrecadação tributária, houve uma alteração da política tributária e, como consequência, a partir do dia 1º de julho de 2015, a contribuição ao PIS/Pasep e a Cofins voltam a incidir à alíquota de 0,65% e 4% sobre as receitas financeiras das empresas cuja receita está integral ou parcialmente sujeita ao regime de apuração não cumulativa. O aumento ou retomada da tributação não ocorre, todavia, em sua integralidade, tal qual previsto na legislação de regência, já que suas alíquotas máximas são de 9,25% (1,65% do PIS e 7,6% da Cofins).
Devemos destacar, contudo, que, não sendo tributos vocacionados à extrafiscalidade, a contribuição ao PIS/Pasep e a Cofins não podem ter suas alíquotas elevadas ou reduzidas por meio de Decreto, como efetivamente ocorreu quando da desoneração e como volta a ocorrer com o restabelecimento da tributação em questão.
A Constituição Federal estabelece que a criação ou o aumento de tributo deve se submeter ao princípio da estrita legalidade tributária, como também os benefícios fiscais, devem, segundo estabelece o artigo 150, parágrafo 6º, do texto constitucional, ser veiculados por lei específica.
Decretos são espécies normativas que não podem estabelecer aumentos ou reduções de tributos, pois não se enquadram na condição de lei em sentido orgânico-formal, conforme impõe o disposto no artigo 150, I, da Constituição Federal. O respeito ao princípio da estrita legalidade tributária integra o catálogo de direitos e garantias individuais cuja observância é obrigatória. As exceções ao princípio da estrita legalidade tributária se restringem às hipóteses expressamente previstas no artigo 153, parágrafo 1º, do texto constitucional[4], por força do qual o Poder Executivo pode alterar as alíquotas dos Impostos de Importação e Exportação, do Imposto sobre Produtos Industrializados e do IOF, desde que observe os limites legais. Referidos impostos são vocacionados à extrafiscalidade, o que, definitivamente, não é o caso das contribuições sociais, entre elas a contribuição ao PIS/Pasep e a Cofins.
O que queremos dizer é que as contribuições em questão não se inserem nas exceções estabelecidas no artigo 150, parágrafo 1º, da Constituição Federal, e, portanto, qualquer aumento ou redução da carga tributária, inclusive aquelas decorrentes de alteração de alíquotas, só pode ser feita por lei em sentido orgânico-formal, qual seja, aquela que foi submetida à chancela do Poder Legislativo, no âmbito do qual, formalmente tenha passado por todas as fases regulares de tramitação.
Em relação às Contribuições Sociais, segundo dispõe o artigo 195, parágrafo 6º, da Constituição Federal[5], a única exceção feita no que concerne à observância dos princípios constitucionais tributários, diz respeito ao princípio da anterioridade, tendo sido mantida, no entanto, a imposição de que deve ser observado o princípio da anterioridade nonagesimal. Não por outro motivo que o Decreto 8.426/2015 foi publicado do dia 1º de abril de 2015 e os seus efeitos se projetaram para o dia 1º de julho do presente exercício.
A veiculação por Decreto do restabelecimento da incidência da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins sobre as receitas financeiras de pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não cumulativa se deve à específica autorização contida no artigo 27, parágrafo 2º, da Lei 10.855/2004. No entanto, como pontuamos, dita previsão é inconstitucional por se tratar de delegação do Poder Legislativo ao Poder Executivo desautorizada pelo texto constitucional.
A fixação de alíquotas é uma das manifestações do exercício da competência tributária que é, por natureza, indelegável. A indelegabilidade da competência tributária impede sua transmissão a outro ente, público ou privado, no todo ou em parte. Assim, dada a ausência de autorização constitucional para que o Poder Executivo aumente ou reduza as alíquotas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins e considerada ainda a indelegabilidade da competência tributária, é de se concluir que o legislador infraconstitucional não poderia, como de fato fez, ter conferido ao Poder Executivo a prerrogativa de alterar as alíquotas da contribuição ao PIS/Pasep e da Cofins, o que inquina de insanável inconstitucionalidade o disposto no artigo 27, parágrafo 2º, da Lei 10.865/2004.
Embora reconheçamos a inconstitucionalidade do Decreto em questão, é necessário ressalvar que pode não ser interessante tal reconhecimento, pois o Decreto 8.426/2015 fixa em 4,65% a tributação máxima das referidas contribuições, e a se observarem as regras estabelecidas nas Leis 10.637/2002 e 10.833/200, as receitas financeiras, inclusive aquelas decorrentes de variação cambial, de pessoas jurídicas sujeitas ao regime de tributação não cumulativa do PIS/Pasep e da Cofins, poderão ser alcançadas pelo teto da tributação de ambas as contribuições, cujas alíquotas somadas podem totalizar 9,25%.
Finalmente, como consequência da desoneração das receitas financeiras, ficou inviabilizado o abatimento, a compensação, da despesas financeiras, consequentemente com “restabelecimento” da cobrança tal compensação haverá de ser reconhecida pela Administração Fazendária, ou, na pior das hipóteses pelo Poder Judiciário.
Fonte: http://www.conjur.com.br/2015-mai-18/betina-grupenmacher-cobranca-pispasep-cofins-receitas